14 de nov. de 2010

Vira-Tempo

Olhou pela janela do ônibus e viu um quadro se formar na frente de seus olhos. Não, não era um quadro; era uma foto. Isso mesmo, uma fotografia tirada por um desses profissionais competentes que sabiam capturar a luz certa do dia ao registrar o momento. E, ao olhar para aquela foto recém-tirada, ela se lembrou de quando era “personagem”, não espectadora.

Era um dia quente, daqueles em que você saía do chuveiro gelado e se via suando; tudo colava ao menor toque e as pessoas brilhavam como móveis recém-lustrados. Ela só queria não ter de passar o dia inteiro na rua. Com a mesma roupa. Sem um mísero banho que fosse. E ela ainda iria se encontrar com ele depois do expediente da loja. Sem banho! Onde estava a cabeça dela ao dizer para ele ir buscá-la às seis da tarde no trabalho em um dia como aquele?

As horas passaram muito lentamente naquele dia, ela se lembrava desse detalhe. Na verdade, o tempo se arrastar não era algo incomum em dias iguais àquele. Em dias que ela sabia que eles iriam se encontrar e ele pegaria a mão dela com extrema delicadeza.

Quando o apito irritante de um relógio qualquer soou às 18, ela “despertou” do estado letárgico que a dominara todo o dia. Olhou através da vitrine e se deparou com olhos castanhos a observando. De fato, era mais um sorriso no olhar. Era isso. As íris dele pareciam se curvar na forma de um belo sorriso. Ela adorava isso. Era apaixonada pelos olhinhos sorridentes cor de chocolate.

Desgrudou os próprios olhos dos dele e se dirigiu para o fundo da loja a fim de pegar a mochila cheia de bottons, chaveiros e qualquer outra coisa que pudesse ser presa ao tecido jeans da sua “velha companheira de guerra”. Quando colocou os pés na calçada sentiu uma leve brisa agitar delicadamente os fios soltos do coque mal feito. Iria chover. Ela sentia o cheiro na brisa que refrescava todo o ambiente. Ela nunca errava. Desde criança, era só sentir o cheiro para admirar os pingos a caírem em seu rosto.

Olhou ao redor e seus olhos, assim como imãs, se dirigiram para os de cor de chocolate. Viram-se. Olharam-se. Sentiram-se. E independente do tempo que estivessem juntos seria sempre como a primeira vez.

As mãos se encontraram apressadas pelo toque. Andaram assim, sem rumo. Conversaram sobre o dia que havia passado. Divagaram sobre o dia que viria. E o tempo não parou. A vida dela não era um conto de fadas, os ponteiros continuariam a girar. A quem ela queria enganar, aliás? Ela era só uma jovem com os tênis surrados, a mochila pesada e o coração feliz. Isso não faria o tempo parar. E, como se fosse um lembrete desse detalhe, pingos começaram a cair sobre eles. Justamente como ela previra. Correram para a coberta do ponto de ônibus e, rindo da situação, se abraçaram. Assim como na primeira vez.

Uma foto foi tirada. Uma freada a trouxe de volta para a realidade. Ela era a espectadora. E agora, mais do que nunca, ela sabia que o tempo não pararia. Não havia parado quando, olhos de chocolate sorriam para ela e o sinal abriu. Só havia uma garota de mochila pesada, tênis surrados e coração infeliz.

2 comentários:

  1. Senti alguns pontos que batem com a realidade de uma certa jovem que usa tênis surrados e bottons na mochila.
    Achei sensacional!

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  2. NOSSAA
    Acho que foi o seu conto que eu mais gostei até agora! Esse e aquele outro que eu não lembro o título que eu tinha te falado que gostava muito (oi?)
    Ahh, e eu não saquei que ele... vc sabe!
    hahaha

    Bjoo Bells
    Nunca abandone o Palavras Pares, ok?

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