12 de nov. de 2014

Cinza

A sensação ficou. Longos meses passados em busca de si, em busca do que faltava. Em busca de alguém que eu não sei quem sou.  As músicas nunca mentem.
O coração também não. E, junto com a sensação, tive certeza ao senti-lo disparar ao te sentir.  Um músculo, com batidas certeiras, ritmadas, firmes... e você desfaz isso com um olhar. Um gesto.
Mas é importante aprender com a vida, com os erros. E na minha busca por mim, me encontrei no nosso erro. Distante em tempo, recente na mente. No coração, no dia-a-dia. Aquela presença que sufoca, que afaga, que é sentida nos detalhes. No mural, nas cores, nos sons da vida. Sem você, as cores ficaram cinza. Mas eu aprendi a gostar de cinza. Abracei a presença-ausência da não cor cheia de cores. Abracei o paradoxal assim como te abraçava. Com todo meu amor, minhas dúvidas, meu rancor, minha saudade.
Vi sua cor, nossa(s) cor(es) em outros abraços, em outros tons de cinza. O som, agudo de antes, hoje já não existe. É contido, taciturno, indiferente. Como se meus ouvidos ainda estivessem acostumados com as suas palavras, seu tom, sua risada, seu naipe.
Te procurei em outras casas. Fiquei perdida, pedi ajuda. Me vi em meio a ruas novas, árvores com cheiros diferentes, casas com cores escuras. Me vi. Te vi. Vi a gente.  E veio a sensação de(o) novo. Cheia de significado, assim como aquela conversa de terça a tarde.  Assim como aquele choro da madrugada. Assim como o beijo perdido de sábado.
A sensação veio. E se foi, assim como você.

Abraço o cinza,
Abraço a minha realidade,
Abraço as consequências.
Sigo tentando.
A felicidade brilha. Às vezes.
E eu espero que brilhe pra você também.


Com carinho, 

23 de ago. de 2014

Era um dia claro.  A cortina agitada pela brisa trazia um lusco-fusco bonito de se ver. Era o raiar do dia. Aquela luz quase rosa.  As horas passaram lentamente. A temperatura esquentou e os pássaros começaram a cantar.
Abrir os olhos deveria contar como esforço físico. Ouvia o barulho lá de fora, distante, como um ruído que depois de um tempo para de incomodar. Seu coração batia tranquilo, guiava a minha respiração.
Pensava que, se eu não abrisse os olhos, poderia viver pra sempre nessa utopia de não ter que me despedir de você.
Quando me lembro daquele dia, concluo que era o seu calor. Era ele que me aconchegava, que me aninhava na cama durante as intermináveis horas de conversas sem sentido e sonhos compartilhados. Esse calor eu sentia em qualquer ambiente. Era como se nossos corpos se identificassem antes mesmo de se encontrarem.
Abrir os olhos significava aceitar a derrota, ter que ver você ir. E perder pra sempre o seu calor perto de mim.  Abrir os olhos era abrir mão da segurança que você me proporcionava.

Quando o despertador tocou, o dia amanheceu. Cinza. Sem você. 

14 de mar. de 2014

A internet estava fora do ar há dias. Assim como a vida dela estava há meses. Sabe-se lá o porquê. Parecia que ela tinha entrado em um ciclo de má sorte sem fim que consumia todas as energias dela. Aos poucos. Dia-a-dia. Lentamente. E agora mais essa.
Bateu as cinzas do cigarro no pires da xícara de café esquecida na sala. A visita da mãe ao novo cubículo no dia anterior havia-a forçado a usar aquele conjunto de louças que só acumulava poeira no armário. Porque ela tinha comprado aquilo mesmo?
Apurou os ouvidos ao escutar um barulho agudo de campainha mas  o vizinho atendeu.  Mudou-se para um daqueles quarto-sala “modernos” que tem paredes feitas de papel e tamanhos proporcionais aos chips dos celulares da moda. Tudo é a nano hoje em dia. Principalmente o cérebro das pessoas.
Mas tudo bem, o apartamento tinha uma luz amarela no fim da tarde e não ficava muito longe do metrô. Sem esquecer também do playground e da piscina que lhe custavam uma fortuna de condomínio. Sua mãe, é claro, não perdeu a oportunidade de fazer o comentário dos netos que estavam demorando pra chegar e poderem aproveitar as “belezas do novo apartamento”.
Quem tava demorando pra chegar era o técnico da internet. O texto era pra ter sido entregue às 15h e a reunião online era às 16h, mas a luz amarela já tava chegando no tapete antigo e o tal nem tinha avisado que iria atrasar. O jeito era esperar.
Recostou a cabeça no encosto do sofá e fechou os olhos. Ouvia de longe a gritaria das crianças do prédio brincando no playground e o vizinho que agora escutava uma música qualquer dos anos sessenta. O sol se punha na sala.

É, até que a vida não era tão ruim assim.